A morte nos faz cair em seu alçapão, / É uma mão que nos agarra / E nunca mais nos solta. / A morte para todos faz capa escura, / E faz da terra uma toalha; / Sem distinção ela nos serve, / Põe os segredos a descoberto, / A morte liberta o escravo, / A morte submete rei e papa / E paga a cada um seu salário, / E devolve ao pobre o que ele perde / E toma do rico o que ele abocanha.
(Hélinand de Froidmont. Os Versos da Morte. Poema do século XII. São Paulo : Ateliê Editorial / Editora Imaginário, 1996. 50, vv. 361-372)

sábado, 20 de fevereiro de 2010

“CIDADE DOS VIVOS: arquitetura e atitudes perante a morte nos cemitérios do estado de São Paulo” livro de Renato Cymbalista

Estudo põe em foco a arquitetura dos túmulos do interior paulista. Mais de 2000 fotografias são resultado de estudo que documentou e analisou as representações tumulares, além de contar a história da formação dos cemitérios.

Capa do livro "Cidade dos Vivos" de Renato Cymbalista. Imagem disponível em 20/02/2010 no site: http://www.annablume.com.br/comercio/product_info.php?cPath=7&products_id=29



Por Simone Harnik. Publicado em 10/11/2003 no boletim eletrônico nº 1312 da Agência USP de Notícias na seção “Destaque”. [ http://www.usp.br/agen/ ]


O arquiteto Renato Cymbalista documentou cemitérios de mais de 40 cidades do interior paulista, com uma produção de cerca de 2000 registros fotográficos. Esse trabalho faz parte do mestrado defendido na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo (FAU) da USP, e hoje pode ser encontrado nas livrarias sob o título de Cidades dos Vivos (da Editora Annablume). O livro, além da pesquisa histórica, disponibiliza 250 fotos da dissertação.

O pesquisador tratou os cemitérios como um microcosmo da cidade, no qual ricos e pobres, negros e brancos ocupam o mesmo espaço e constroem sua identidade social principalmente pela arquitetura dos túmulos.

Cymbalista buscou entender como os cemitérios passaram a integrar a paisagem urbana. No período colonial predominava uma relação íntima entre vivos e mortos - quem morria, por exemplo, podia ser enterrado dentro de igrejas, um local de convívio. "Apenas no século XIX, é que a idéia de um cemitério em um lugar afastado surgiu, junto com o desejo burguês de organizar e impor normas aos espaços, seguindo, muitas vezes, modelos de cidades européias."

O arquiteto Renato Cymbalista [retratado em foto de Flávio Magalhães] documentou cemitérios de mais de 40 cidades do interior paulista, com uma produção de cerca de 2000 registros fotográficos. Imagem disponível em 20/02/2010 no site: http://www.vitruvius.com.br/arquiteturismo/arqtur_29/arqtur29_03.asp



Apesar de os cemitérios terem alterado o modo de lidar com a morte, o arquiteto verificou que certos costumes, como as atitudes mágicas e a veneração de certos mortos, resistiram às mudanças. Um exemplo é o do túmulo de Ivana Javanovitch (1907-1987), também conhecida por Cigana Ivana. Em São José do Rio Preto, onde seu corpo está sepultado, ela recebe pedidos escritos com batom sobre o granito de sua lápide, além de maquiagem, bijuterias e cigarros.

O pesquisador procurou, ainda, entender os motivos que determinavam as formas arquitetônicas dos cemitérios, assim como as relações de poder e os conteúdos religiosos ou leigos contidos nelas. Tentou reconstruir os processos pelos quais as representações, figuras e ornamentos foram reinterpretados e reinventados ao longo do tempo.

Um dos elementos analisados foram as flores de Bauru. As flores acompanham os mortos há muito tempo. Porém, as flores naturais perdem o vigor rapidamente e, para fazê-las mais duradouras, utilizaram-se representações em porcelana, lata ou plástico. O túmulo do primeiro enterrado no cemitério de Bauru, João Henrique Dix (que se suicidou em 1908, para inaugurar a necrópole), já levava flores esculpidas em mármore. Mais tarde, em 1928, as flores de um outro túmulo foram moldadas em alvenaria e reboco. Estes tipos de ornamento serviram na decoração do pórtico de entrada do cemitério da cidade e popularizaram-se para outros túmulos do cemitério, criando algo como um "estilo bauruense". "Na década de 1960, as flores praticamente deixaram de ser utilizadas e o padrão passou a ser o emprego do granito, pelos mais ricos, e de azulejos, pelos mais pobres".

Classes sociais no cemitério


Cymbalista se interessou por estudar os cemitérios de cidades interioranas do Estado de São Paulo devido à diversidade de formas, estilos e materiais dos túmulos. "Além disso, os cemitérios de cidades do interior, apresentam uma maior interface entre as classes sociais", explica.

Os túmulos das cidades do oeste paulista pareciam, ao pesquisador, caracterizar um tipo de arquitetura híbrida, que misturaria os estilos eruditos, com modos construtivos populares. No entanto, durante o trabalho de campo, Renato verificou que sua hipótese não se confirmava. "Conversando com mestres de obras dos cemitérios, percebi que eles não se viam como portadores de um estilo. Os túmulos das elites é que ditavam as modas. Mas isso não significa que a população tenha deixado de se colocar no espaço dos cemitérios. Ela se manifesta com os objetos de devoção, com a adoração de certos mortos e santos, por exemplo", conclui.

Mais informações: (0XX11) 3258-6121 ramal 236 ou e-mail
renato@polis.org.br


Fonte: http://www.usp.br/agen/bols/2003/rede1312.htm#primdestaq


Renato Cymbalista, arquiteto e urbanista, mestre e doutor pela FAU USP, coordenador da área de urbanismo do Instituto Pólis (2003-2008), professor de História da Cidade na Escola da Cidade. É autor dos livros "Cidades dos vivos: arquitetura e atitudes perante a morte os cemitérios do Estado de São Paulo" (Anna Blume) e "São Paulo 360 graus" (Com Helmut Batista, Panawiew). É pesquisador de pós-doutorado do IFCH-UNICAMP e bolsista FAPESP.

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