A morte nos faz cair em seu alçapão, / É uma mão que nos agarra / E nunca mais nos solta. / A morte para todos faz capa escura, / E faz da terra uma toalha; / Sem distinção ela nos serve, / Põe os segredos a descoberto, / A morte liberta o escravo, / A morte submete rei e papa / E paga a cada um seu salário, / E devolve ao pobre o que ele perde / E toma do rico o que ele abocanha.
(Hélinand de Froidmont. Os Versos da Morte. Poema do século XII. São Paulo : Ateliê Editorial / Editora Imaginário, 1996. 50, vv. 361-372)

segunda-feira, 27 de setembro de 2010

Como o corpo humano se decompõe?

Imagem da exposição "O Corpo Humano como nunca o viu...". Disponível em http://www.jasfarma.com/noticia.php?id=733


Por Julia Moióli. Artigo publicado na revista MUNDO ESTRANHO da editora Abril. Seção Saúde - Perguntas. Disponível em: http://mundoestranho.abril.com.br


É um filme de terror de arrepiar os cabelos de qualquer defunto. Depois que a gente passa desta para melhor, nosso corpo perde suas defesas e começa a ser atacado por todos os lados: bactérias, animais e até substâncias produzidas por nós mesmos dão início ao fim. O cadáver vai ficando escuro e inchado, a pele e os órgãos se desfazem e o cérebro vira um caldo. Depois de algum tempo, não sobra quase nada. A decomposição acontece em duas frentes. A primeira é a mais esquisita: o próprio corpo se decompõe. "Quando alguém morre, a oxigenação pára de acontecer e o organismo se desequilibra. Minerais como o sódio e o potássio, importantes para o metabolismo, deixam de ser produzidos. Com isso, as células se desestabilizam e passam a digerir o próprio corpo", diz o fisiologista e professor de medicina legal Marco Aurélio Guimarães, da Universidade de São Paulo (USP). Ao mesmo tempo, bactérias famintas também entram no banquete. As primeiras a avançarem na carne são as da flora intestinal e da mucosa respiratória, que já vivem no organismo. Para continuarem vivas, essas bactérias invadem os tecidos e os devoram. Depois disso, as bactérias do ambiente deixam o cadáver irreconhecível. O suculento resto fica para insetos e até cães, gatos e urubus. Em geral, um corpo sepultado leva de um a dois anos para se decompor totalmente, mas esse tempo pode variar dependendo das condições do ambiente e do cadáver - se o morto tomava antibiótico, por exemplo, o processo demora bem mais. No fim, sobram apenas ossos e dentes, que duram milhares de anos a mais que os outros órgãos. Eles são a principal pista para que peritos consigam solucionar mortes violentas.


Vida de morto
Cadáver vira banquete para bichos e bactérias até ficar só o osso



SUCO PÓSTUMO

A pele passa por uma transformação radical: primeiro, ela perde água e resseca, tornando-se amarela e enrugada. Com o ataque das bactérias, ela fica verde e se dilata. Depois aparecem as bolhas. Quando elas se rompem, é a maior nojeira: a pele começa a soltar líquidos e, por fim, se desmancha

DURO NA QUEDA

O cadáver começa a ficar duro algumas horas depois da morte por causa do acúmulo de cálcio nos músculos. O corpo do morto se contrai e fica com pernas e braços meio dobrados. Para esticá-los, basta dar um puxão - a história de que é preciso quebrar os ossos do morto para deixá-lo reto não passa de lenda

RESISTÊNCIA MILENAR

No fim da decomposição sobram apenas os ossos e os dentes do cadáver. O segredo é que eles são formados basicamente por minerais, enquanto as bactérias decompositoras se interessam apenas por matéria orgânica. Se o defunto for enterrado em condições normais, longe da umidade e do calor excessivo, esses órgãos podem durar milhares de anos

EREÇÃO EXPLOSIVA

Como a pele da região do pênis é mais frouxa que a de outras partes do corpo, os gases bacterianos se infiltram por ali com mais facilidade. Como resultado, o dito-cujo tem uma falsa ereção. Mas isso não significa que o defunto está animadinho: ele apenas se esticou com a descarga gasosa

PERFUME DE PRESUNTO

Durante a decomposição, as bactérias que consomem o corpo fabricam subprodutos com um odor nada agradável. Substâncias como a putrescina e a cadaverina (credo!) ajudam o corpo a cheirar tão mal. Mas o campeão do fedor é o gás sulfídrico, que, além de tudo, é inflamável

NU COM A MÃO NO BOLSO

Como diz aquela marchinha do Silvio Santos, "do mundo não se leva nada" - nem mesmo as roupas do funeral, que também são uma iguaria muito apreciada pelas bactérias. O algodão e outras fibras naturais vão embora mais rápido, em três ou quatro anos. Já tecidos sintéticos, como náilon e poliéster e outros derivados do plástico, podem durar décadas

VISTA EMBAÇADA

Como os outros órgãos, os olhos dos mortos também se desidratam. A córnea fica com uma espécie de tela viscosa meio esbranquiçada, parecida com um véu. Mais adiante, quando as bactérias e larvas começam a atuar, os olhos são o prato predileto. Por isso, eles são corroídos rapidinho até sumirem totalmente

MINGAU DE CÉREBRO

As células cerebrais apagam entre 3 e 7 minutos após a morte. Dias depois, quando os gases da decomposição invadem os órgãos, os tecidos do cérebro começam a se desmanchar. A partir daí, a massa cinzenta vai se tornando um líquido viscoso com a consistência de um mingau de cor de argila, que pode escorrer pelas narinas

SANGUE FRIO

Assim que o sangue pára de circular, ele perde oxigênio e fica mais escuro. Em 8 a 12 horas, ele começa a coagular, ficando com a consistência de uma goiabada. No fim, por ação da gravidade, o sangue concentra-se na parte de baixo do corpo, em regiões como as costas, pernas e pés

CRESCIMENTO DO ALÉM

Já ouviu aquele papo de que cabelos, pêlos e unhas crescem depois da morte? É verdade! Eles são feitos de queratina, uma proteína muito resistente. No caso de cabelos e pêlos, a estrutura onde os fios se desenvolvem nem percebe que a irrigação sanguínea acabou. Mas isso só dura 24 horas, quando os fios podem crescer no máximo 0,05 centímetro

DESTRUIÇÃO INTERNA

Pela ação das bactérias, os órgãos desprendem-se da estrutura do corpo e desmancham. Os que se decompõem mais rápido são os pulmões (que têm tecidos finos), os intestinos (que já possuem bactérias que ajudam na digestão) e o pâncreas (cujas enzimas agem na decomposição). Um dos que mais demoram é o fígado, pois ele é um dos maiores órgãos do corpo humano

Consultoria: Faculdade de Medicina do ABC

Mergulhe nessa
Na Internet:

www.pericias-forenses.com.br/mecamorte.htm

www.unifesp.br/dpato/medlegal/fundamto.htm


Fonte: http://mundoestranho.abril.com.br/saude/pergunta_286990.shtml

quarta-feira, 8 de setembro de 2010

Livro perdido de Freyre traçou sociologia dos cemitérios brasileiros

Jazigos e Covas Rasas seria a continuação de Casa Grande e Senzala, Sobrados e Mucambos e Ordem e Progresso

Cemitério de Santo Amaro, em Recife - PE. Data: 2000. Imagem disponível em: http://www.reporterbrasil.org.br/exibe.php?id=15


Por José Heraldo e Vânia Lira. Artigo publicado no jornal O BERRO - Jornal Laboratório da Turma WL0 7º Período da Disciplina de Técnicas de Reportagem do Curso de Jornalismo da Universidade Católica de Pernambuco. Edição O Berro do Cemitério. 2000.1. Disponível em O Berro on line [ http://www.unicap.br/berro/ ]



A o contrário do que muitos imaginam, Casa Grande & Senzala, Sobrados e Mucambos, Ordem e Progresso, obras do sociólogo e antropólogo Gilberto Freyre formam uma tetralogia. A Quarta parte, Jazigos e Covas Rasas, planejada e parcialmente elaborada pelo escritor, jamais chegou a ser editada e sequer se sabe onde se encontram os originais. Segundo a antropóloga Fátima Quintas, esta última obra restringiu-se á manuscritos que nunca chegaram ao conhecimento público. Este fato comprometeu o complemento histórico, sociológico e antropológico da visão Gilbertiana do Brasil do séculos XVI ao XIX.

Como o livro Casa Grande & Senzala destinou-se a transmitir os costumes da época da cana-de-açúcar e da escravatura, Jazigos e Covas Rasas deveria refletir uma visão social e arquitetônica dos ritos funerais desde a época do império.

O professor Edson Nery da Fonseca afirma que Gilberto Freyre foi deputado constituinte entre 1946 e 1950. Nesse período planejou escrever Jazigos e Covas Rasas. Fez pesquisas na Biblioteca e Arquivo Nacional do Rio de Janeiro. Freyre reuniu uma documentação que trouxe para o Recife, embrulhado em um veludo vermelho, colocando-o em estante de sua residência, de onde desapareceu.

Na opinião de Nery, a obra não chegou a ser concluída por três motivos. ”O primeiro foi o desgosto de Gilberto Freyre com o desaparecimento dos escritos; o segundo, a dispersão do autor para outros assuntos tirando seu interesse; e o terceiro é o fato de não gostar de concluir nada, a incompletude perpetuava sua obra”, revela.

Edson Nery da Fonseca conta que Gilberto Freyre tinha intenção de escrever o quarto e último volume da série iniciada com Casa-grande & senzala. O título seria Jazigos e covas rasas, a última morada dos senhores e dos escravos. "Ele preparou uma grande documentação para escrever esse livro, mas não escreveu. Dizia que a documentação tinha sumido de sua casa em Apipucos. Madalena, mulher dele, dizia: Gilberto, ninguém ia entrar aqui para pegar isso! Minha explicação é a seguinte: Ele não escreveu porque não queria concluir nada". Imagem e citação disponíveis em: http://www.revistaplatero.com.br/n9/platero3.asp

A intenção de Gilberto Freyre era de que a obra fosse um estudo de ritos patriarcais, de sepultamentos e da influência de mortos sobre vivos. O grande destaque são as fases de desenvolvimento e desintegração na qual ainda se encontra a sociedade brasileira, desde o patriarcado até os dias atuais, refletidos nos enterros, covas ou jazigos familiares. Para isto o autor utilizou fontes como o livro Arquitetura dos Cemitérios Brasileiros, de Clarival do Prado Valadares, anúncios de jornais e visitas pessoais aos principais cemitérios do Recife, Rio de Janeiro, Bahia e Minas Gerais.

Gilberto concebia o homem morto, de certo, homem social. E, no caso de jazigo ou de monumento, o morto se torna expressão ou ostentação do poder, de prestígio, de riqueza dos sobreviventes, dos descendentes, dos parentes, dos filhos, da família. O túmulo patriarcal, o jazigo chamado perpétuo, ou de família, o que mais exprime é o esforço, às vezes pungente, de vencer o indivíduo a própria dissolução integrando-se na família, que se presume eterna através de filhos, netos, descendentes, pessoas do mesmo nome seriam, na visão de Freyre o túmulo partriarcal a perpetuação da endogomia.

Desta forma o jazigo a tornaria eterna, simbolizando uma forma de ocupação do espaço cuja arquitetura e simbologia continua, e até aperfeiçoa, a das casas-grandes e dos sobrados dos vivos, requintando-se dentro de espaços imensamente menores que os ocupados por essas casas.

O sociólogo considerava que os túmulos suntuosos seriam de conservação dispendiosa para a família, ultrapassando a capacidade econômica dos descendentes dos senhores ricos que o levantaram como descreveu em uma de suas experiências “... era um túmulo com alguma coisa de monumental levantado por uma família opulenta da época do império. Seu chefe fora ministro de Pedro II.

Abandonado, arruinado, sujo, o túmulo patriarcal abria-se naquela tarde de chuva longos anos depois de falecido o grande do império ... para receber o corpo magro e vestido simplesmente de chita branca com salpicos azuis, uma pobre velha – sua neta – cujo enterro não chegara a atrair as clássicas três pessoas necessárias para a condução decente de qualquer ataúde``.

Freyre destacou nos jazigos a forma de imagens ou figuras de dragões, leões, anjos, corujas, folhas de palmeira ou de louro santos, do próprio Cristo e da Virgem. Estes símbolos, feitos de mármore, bronze ou outros materiais nobres, guardam os jazigos privilegiados como que defendendo-os, até chegar o dia do Juízo, de ladrões, enchentes, bichos imundos e da profanação.

Analisando a sociedade pernambucana, Gilberto Freyre coloca que antigamente as pessoas do Recife chamavam o beco que ia do centro da cidade ao cemitério de Santo Amaro de “Quebra Roço“ (presunção, vaidade e orgulho).

É como o tempo age sobre as casas e os túmulos, não apenas os modestos mas também os monumentais, quebrando-lhes o roço, isto é, sua arquitetura característica – casas – grandes, sobrados e monumentos fúnebres - criações de pedra e cal, de mármore e bronze com que as famílias patriarcais ou tutelares pretenderam firmar no seu domínio não só no espaço como no tempo.

Fonte: http://www.unicap.br/berro/Berrocemiterio/freyre.htm