A morte nos faz cair em seu alçapão, / É uma mão que nos agarra / E nunca mais nos solta. / A morte para todos faz capa escura, / E faz da terra uma toalha; / Sem distinção ela nos serve, / Põe os segredos a descoberto, / A morte liberta o escravo, / A morte submete rei e papa / E paga a cada um seu salário, / E devolve ao pobre o que ele perde / E toma do rico o que ele abocanha.
(Hélinand de Froidmont. Os Versos da Morte. Poema do século XII. São Paulo : Ateliê Editorial / Editora Imaginário, 1996. 50, vv. 361-372)

sexta-feira, 22 de julho de 2011

Ossos do ofício

Mesmo sem ajuda de órgãos públicos, casa onde foi descoberto cemitério de escravos vira centro cultural.


Visão aérea atual da região onde ficava o cemitério. Imagem disponível em 22/07/2011 no site: http://www.revistadehistoria.com.br/secao/em-dia/ossos-do-oficio




Por Cristina Romanelli. Artigo publicado na Seção "Em Dia" da Revista de História da Biblioteca Nacional, Edição Nº 70, página 10, de [06 de] Julho de 2011.




Enquanto fazia obras em sua casa, no bairro da Gamboa, Centro do Rio de Janeiro, um casal achou vários ossos enterrados no chão. Logo surgiu a suspeita de que poderia ter ocorrido uma chacina no local, e até a polícia entrou na história. Arqueólogos resolveram o mistério: ali havia um cemitério com milhares de escravos recém-chegados da África, os chamados pretos novos. Por conta própria, os donos da casa criaram o Instituto de Pesquisa e Memória Pretos Novos (IPN), que no ano passado ganhou o Prêmio Rodrigo Melo Franco de Andrade, do Iphan. Agora eles vão transformar a casa ao lado em um memorial para contar a história do cemitério e organizar exposições e eventos.

Segundo o historiador Julio César Medeiros, autor de A flor da terra: o cemitério dos pretos novos no Rio de Janeiro (Garamond Universitária, 2007), muitos dos africanos recém-chegados morriam vitimados pela varíola, doença que só se manifestava durante a viagem para o Brasil. Por muito tempo eles foram enterrados junto a outros escravos e brancos indigentes, mas em 1779 ganharam um espaço próprio na Gamboa. “Este é o único cemitério criado para pretos novos de que se tem notícia. Outros cemitérios, como o Campo da Pólvora, na Bahia, tinham até presos”, conta Medeiros.

Desde que os ossos foram recolhidos pelo antigo Departamento Geral de Patrimônio Cultural (hoje Subsecretaria do Patrimônio Cultural, Intervenção Urbana, Arquitetura e Design), em 2006, a prefeitura não fez mais nenhum trabalho no local. “Eles chegaram a dizer que iam começar as escavações em 2001, mas acho que o projeto não foi aprovado. Não nos disseram nada e nem voltaram mais. Como não somos historiadores, temos dificuldade para tocar isso aqui, mesmo com a ajuda de alguns estudantes e pesquisadores”, conta Merced Guimarães, dona da casa.

Os ossos foram levados para o Instituto de Arqueologia Brasileiro e estão sendo estudados por várias instituições, entre elas a Fundação Oswaldo Cruz. “Temos dois estudos sobre os dentes dos escravos que vão sair agora no segundo semestre. Fiz uma palestra sobre um deles em Minneapolis, nos Estados Unidos. Há interesse internacional pelo assunto”, diz Sheila Mendonça de Souza, pesquisadora da Fiocruz.

Enquanto o material está sendo estudado, a prefeitura continua sem planos muito definidos para o cemitério. Segundo a Subsecretaria de Patrimônio, há um projeto de integração urbanística entre diversos pontos históricos da região, como o Cais do Valongo, mas a inclusão do cemitério não é certa. Mesmo sem ajuda de custo, o IPN pretende finalizar as obras em sua sede ainda este mês, em seguida fazer uma exposição que conta a história dos pretos novos e inaugurar uma sala multimídia e um espaço para mostras temporárias. O instituto também abriu espaço para a equipe do Museu Nacional (UFRJ) fazer algumas escavações e, quem sabe, novas descobertas.

Saiba Mais - Internet

Portal Arqueológico dos Pretos Novos:






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