A morte nos faz cair em seu alçapão, / É uma mão que nos agarra / E nunca mais nos solta. / A morte para todos faz capa escura, / E faz da terra uma toalha; / Sem distinção ela nos serve, / Põe os segredos a descoberto, / A morte liberta o escravo, / A morte submete rei e papa / E paga a cada um seu salário, / E devolve ao pobre o que ele perde / E toma do rico o que ele abocanha.
(Hélinand de Froidmont. Os Versos da Morte. Poema do século XII. São Paulo : Ateliê Editorial / Editora Imaginário, 1996. 50, vv. 361-372)

segunda-feira, 10 de outubro de 2011

Acre: Cemitério abandonado esconde história da hanseníase no Juruá


"(...) cruzes cobertas de capim e lixo. Algumas ainda revelam nome dos hóspedes importunados, cujas memórias a cidade (Cruzeiro do Sul), segunda maior do Acre, tenta esquecer a qualquer custo."




Por Dilson Ornelas. Artigo publicado originalmente no site: www.vozdoacre.com e disponível desde 30 de Novembro de 2010 02:00 no site: http://www.vozdonorte.com.br de onde retiramos todas a fotos aqui postadas.


Hansenianos de Cruzeiro do Sul (AC), no Vale do Juruá, que tanto sofrimento e humilhação amargaram em vida, nem mesmo na morte conseguem o descanso a que teriam direito. O cemitério onde estão sepultados, no Bairro do Telégrafo, está tomado pelo mato e, em meio a ratos e cobras, transformou-se em esconderijo de traficantes e dependentes químicos. Os vizinhos pouco comentam o assunto e sequer chamam a polícia, temendo represarias de marginais.


Quanto ao abandono, o secretário municipal de Obras, Osmar Bandeira, afirma que a prefeitura é responsável pelos outros dois cemitérios da cidade, "mas de vez em quando alguns funcionários vão lá cortar o mato. Não se sabe quem são os responsáveis por aquele cemitério", declara Bandeira. Essa Reportagem apurou que eles não existem, e o cemitério que nem nome tem, não evita a discriminação contra os hansenianos, mesmo após a morte.




"No incômodo Campo Santo, sem muro e sem manutenção, uma pequena capela parcialmente destelhada é a testemunha mais antiga das cruzes cobertas de capim e lixo."



No incômodo Campo Santo, sem muro e sem manutenção, uma pequena capela parcialmente destelhada é a testemunha mais antiga das cruzes cobertas de capim e lixo. Algumas ainda revelam nome dos hóspedes importunados, cujas memórias a cidade, segunda maior do Acre, tenta esquecer a qualquer custo.


Uma das vizinhas do local invadido por desocupados pede para não ser identificada, e diz que "eles (os bandidos) arrombam os portões e entram nas casas, se os moradores se descuidam. Usam droga à noite, e às vezes até na luz do dia, porque isso aqui está largado há muitos anos". De acordo com ela, os moradores temem chamar a policia e sofrer alguma retaliação.


Completamente desconhecida pela população mais jovem, a pequena necrópole caiu no esquecimento de pessoas acima de cinqüenta anos. Moradora de um bairro próximo, Maria (o sobrenome é omitido propositalmente) não lembra mais a localização do cemitério. "Eu não sei onde fica, mas deve ser onde queriam enterrar meu marido", afirma a viúva. Ela diz que com a ajuda de amigos políticos, conseguiu enterrar o marido portador de hanseníase em outro lugar.


Mesmo ignorado pelo poder público, desconhecido da nova geração, e profanado por bandidos, o terreno com aproximadamente trinta covas aponta para um passado difícil de enterrar. A hanseníase que separou para sempre milhares de famílias, e como nos tempos bíblicos, também gerou repulsa e preconceito, ainda mostra seqüelas no corpo e na mente de pessoas curadas com a chegada de potentes medicamentos do governo.


Tem um cemitério no meio do caminho



O ex-prefeito e atual vice-governador Cesar Messias, de acordo com o vereador Celso Lima Verde, durante um período de obras tentou em vão remover o cemitério construído sobre a Rua Banjamin Constant, que liga os bairros do Telégrafo e Remanso. O juiz da época não permitiu e o jeito foi desviar a rua.


No tempo do leprosário Colônia Ernani Agrícola, havia outro cemitério com milhares de hansenianos enterrados, a maioria como indigentes, situado onde hoje está o Hospital Dermatológico. O vereador lembra que ainda aos 11 anos, ajudava nos sepultamentos. "Tinha dia que a gente enterrava até três pessoas". O bispo D. Henrique Ruth, com apoio do governo, ordenou que se retirasse dali todas as tumbas, para a construção do hospital.


Histórias de dor



Celso Lima Verde, aos 70 anos, recorda que foi retirado pela polícia à força de uma sala de aula, aos 9 anos de idade, quando descobriram que ele era hanseniano. Já em seu quarto mandato, mostra as mãos retorcidas pela doença.




Celso Lima Verde, aos 70 anos, recorda que foi retirado pela polícia à força de uma sala de aula, aos 9 anos de idade, quando descobriram que ele era hanseniano.





Celso fez parte do esforço para tentar dar dignidade e respeito a essas pessoas. Hoje, se locomove com ajuda da prótese que substitui um de suas pernas. E é admirado pela população não só por sua força de vontade, mas pelo bom-humor e pela facilidade com as palavras. Porém, Celso ainda vai às lagrimas quando fala do sofrimento que vivenciou.


"Naquela época não havia remédio para o tratamento da hanseníase, aí o médico Abel Pinheiro, ex-governador, receitava Melhoral (analgésico). À noite era uma gritaria muito grande. Não havia o que parasse a dor que a gente sentia, quando os nervos retorciam nossos dedos", lembra Celso, que precisa de uma prótese para se locomover.


Histórias tristes, carregadas de tanta dor, praticamente não interessam mais a ninguém em Cruzeiro do Sul, mas durante décadas o município foi cenário de um dos piores dramas de degradação do tecido social. Isso ocorreu em várias partes ao norte do Brasil e em países vizinhos ao Acre, como mostra o filme "Diários de Motocicleta", de Walter Salles. A película revela que, na década de 50, o médico argentino Ernesto Che Guevara, especialista em hanseníase, visitou leprosários na localidade peruana de Pucalpa, quase na fronteira com o Acre.


Novos casos


Em 2009 foram 44, e de janeiro a outubro deste ano foram localizados mais 12 novos casos da doença em Cruzeiro do Sul. Hoje o tratamento é eficiente e dispensa a internação, mas as péssimas condições de higiene e a desnutrição, que também favorecem ouras outras mazelas, até hoje continuam favorecendo os bacilos da hanseníase, em uma população abandonada pelo poder público.


Cerca de quatro mil sobreviventes ao flagelo da doença estão reintegrados ao convívio social em Cruzeiro do Sul, município de 79 mil habitantes. Alguns deles são comerciantes, e a maioria recebe alguma aposentadoria. Na opinião do vereador, somente um quarto dos hansenianos dos internos daquela época, era de cruzeirenses, a grande maioria vinha de outros municípios do Acre, e até do Amazonas.


A Secretaria Municipal de Saúde continua contabilizando novos casos, principalmente nas ocasiões de busca ativa. Às vezes aparecem doentes já em estado avançado da doença, moradores de locais de difícil acesso, com seqüelas irreversíveis.

Fonte: http://www.vozdonorte.com.br/index.php?option=com_content&view=article&id=131:cemiterio-abandonado-esconde-historia-da-hanseniase-no-jurua-&catid=47:meio-ambiente&Itemid=63




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